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Soube esta semana que o Neil Diamond vai reformar-se, por lhe ter sido diagnosticado o Parkinson.
É evidente que este tipo de notícias não são surpresa para alguém que gosta de música menos recente. Achei estranhíssimo quando o pessoal derreteu-se em lágrimas quando o vocalista dos Linkin Park morreu no ano passado. Se o pessoal não aguenta esse tipo de notícias sobre artistas que nem sequer conhecem pessoalmente, ui, daqui a uns 20 ou 30 anos vai estar toda a gente com depressão.
Não conheço exaustivamente o trabalho do Neil Diamond, admito-o. Sei, no entanto, que ele merece bastante respeito pelas suas capacidades de escrita de letras de músicas, sendo que "centenas" de artistas já fizeram versões de músicas dele (sabiam que o Red Red Wine dos UB40 é na verdade uma música original do Neil? Descobri isso a fazer pesquisa para este texto).
Não imagino que o Parkinson seja algo fácil de se lidar com. No entanto, o próprio Neil disse que planeia manter-se activo musicalmente, mesmo que tenha de ser fora dos palcos. Se alguma coisa, esta será apenas mais uma fase conturbada da sua vida preenchida. A música que gostaria de apresentar hoje é um tema que ele escreveu quando estava no início de carreira a esforçar-se para ser notado. Diz-se que ele próprio veio a admitir que foi uma obra autobiográfica inconsciente.
Solitary Man, de Neil Diamond. As melhoras e tal.
Recentemente fiz algo que nunca tinha feito na minha vida, ou pelo menos que me lembre: fui comprar música.
Anteriormente a esta experiência, toda a música que alguma vez possuí não era exactamente minha, como quem diz que os CD's não eram meus. Eram sempre o CD esquecido num móvel ou um CD que alguém me ofereceu ou um CD que alguém pirateou (apesar de andar a fazer esforços para legalizar a colecção física de música cá em casa). Poder-se-ia dizer que se alguém me ofereceu um CD, então ele seria efectivamente meu, e na prática concordo, mas no fundo, não fui eu que o tirei da prateleira da loja. Não fui eu quem o escolheu.
Determinado como ando em mudar vários aspectos da minha vida, agarrei nalguns cartões oferta que me têm dado ao longo do tempo (finalmente perceberam que é mais eficaz darem-me cartões do que objectos aleatórios que eu poderia nunca usar) e fui à Fnac trocá-los. Forreta como sou, andei à procura nas promoções e é surpreendente como se conseguem arranjar colectâneas do Barry White por 5€.
Andei precisamente à caça de músicas/artistas cujas músicas não conseguia obter "fisicamente", tendo apenas a alternativa de as ouvir no MEO Music ou no Youtube.
Os álbuns que acabei por "comprar" estavam todos mais ou menos na mesma faixa temporal dos anos 70 e 80. O que saiu mais fora deste padrão foi o álbum de colectânea do Seal, que é mais cronologicamente avançado.
Hoje apresentarei uma música desse álbum. Aparentemente, qualquer pessoa que já tenha visto o Space Jam (o filme) deverá saber que a música Fly Like an Eagle, cantada pelo Seal, era parte da banda sonora. Pessoalmente não me lembro disso, mas também não me apetece ver o filme só para confirmar o facto. O tema original é da autoria de uma tal Steve Miller Band, que supostamente tenho de conhecer a partir de agora, pois é uma banda "das antigas" e eu seria hipócrita se não lhe desse um bocadinho de atenção.
Algures na internet li o comentário de alguém a dizer que sempre pensou que era o Michael Jordan que cantava este tema.
E eis a dose diária recomendada de racismo passivo.
Fly Like An Eagle, cantada pelo Seal:
Uma breve reflexão.
Desde que comecei com a minha Reforma comecei a dar um maior valor ao meu tempo e à maneira como o gasto. Antes de me meter na cabeça que iria conseguir reformular a minha vida, eu tinha temp para tudo porque nunca tinha nada para fazer. Qualquer coisa que me aparecesse para fazer por influência de terceiros era-me relativamente indiferente porque não era que eu estivesse particularmente ocupado com fosse o que fosse. Agora, com ilusões de reforma vitais, faço planos, estabeleço horários e rotinas e nunca consigo fazer coisa alguma.
Eu já esperava isto, porque eu tinha consciência da minha vivência, só não esperava é que fosse tão impeditivo como tem sido. Exemplo rápido: hoje estava a planear começar a trabalhar num modelo de barco que tenho para construir. Fui dar uma corridinha, tomei banho e chegou-me o pedido de fazer de ama-seca à cadela de uma familiar.
Tudo bem, é um cão, obviamente que de bom grado aceito, mas tive de pôr de lado o barco, pela décima vez nas últimas duas semanas (se bem que às vezes também é culpa minha).
"Deixo para outro dia", vou pensando. Reflecti que esta expressão vai começar a ser bastante mais comum na minha mente, pois aqueles que querem fazer muito, seja por serem ambiciosos ou por quererem tornar-se assim, têm muitas vezes de lidar com as prioridades num dia-a-dia que exorta a que estas tenham de existir.
Contudo, sei que a expressão pode rapidamente tornar-se uma mentira, como muitas pessoas mais responsáveis e activas já certamente saberão. Pensarei nela muitas vezes, sabendo perfeitamente que nada poderei cumprir a não ser que exista um sentido de organização brutal e frio.
Não quero deixar coisas para outro dia, sabendo que um "outro dia" poderá nunca vir.
Creendence Clearwater Revival, com Someday Never Comes:
Um homem entrou pela porta dentro. O cabelo imenso e a barba espessa e maltratada deu a António uma primeira má impressão, mas a revelação do olhar inocente e quase infantilmente confuso do recém-chegado afastou pensamentos temerosos.
Ele chegou-se ao balcão, mas António é que deu início à conversa.
- Boas tardes, que deseja?
- Boa tarde, meu caro. DIga-me, ainda serve almoços a esta hora? Sei que é tarde, mas perguntar não custa. - respondeu o homem, ainda jovem, com um ligeiro sorriso afável.
- Ah, aqui almoços só por reserva, que não há clientela suficiente. Mas tenho ali uma boa sopa.
A face do homem iluminou-se e abriu-se num sorriso, mostrando uns dentes tímidos e brancos.
- Ah, óptimo, é mesmo o que preciso! Traga também uma sandes. Comerei aqui mesmo no balcão.
- Uma sandes de quê?
- O senhor já me deu uma boa surpresa, se calhar não é pedir muito que me dê outra. - rematou, sorrindo matreiramente.
António não era de compreensão lenta, mas achou mesmo assim estranha e críptica a maneira de falar do homem.
Trouxe-lhe o pedido. Uma sopa de legumes e uma sandes de ovo mexido. O homem agradeceu com uma ligeira vénia, e atacou de imediato a refeição.
A curiosidade de António aumentou-lhe a impertinência.
- Desculpe perguntar, mas o senhor é de cá da zona, ou está só a passar?
- Não, não, sou de Lisboa, mas arranco assim que acabar de comer. - respondeu, dando uma primeira dentada na sandes de ovo, pausando de seguida, aparentemente deliciado. - Desculpe, será que me pode fazer outra destas para levar? Embrulhada num papel ou algo do género?
- Claro, claro que sim, com licença.
- Ah, e uma garrafa de água, por favor.
- Fresca?
- Natural, por favor, obrigado.
Quando António voltou, encontrou o homem a olhar para um mapa em papel, algo estranhíssimo na era dos telemóveis. Entregou-lhe a nova sandes e a garrafa de água.
- Ah, obrigado.
- Precisa de ajuda para chegar a algum lado? Já não via alguém a usar um mapa a sério há algum tempo! O seu telemóvel está sem bateria?
- Ah, não, eu não tenho telemóvel. Não preciso de um. Também não preciso de ajuda, obrigado, estava só a explorar as estradas aqui à volta.
- Então, mas para onde é que o senhor vai?
O homem olhou António demoradamente e desviou a atenção para o lado, parecendo reflectir. Começou a levantar-se e a preparar-se para sair. Finalmente respondeu.
- Não sei, amigo. Obrigado por tudo!
Deixou duas notas de 20€ no balcão e saiu, sem dar tempo a António de sequer pensar no troco.
António apenas conseguiu vê-lo a arrancar num carro velho e desgastado de uma cor verde horrível, que se afastou deixando para trás uma música esvanescente.
Bruce Springsteen, com The Promised Land: